domingo, 29 de julho de 2012

LIMA BARRETO: UM PROFUNDO AMOR PELO BRASIL

 Jorge Henrique Vieira Santos*


“Esta é a história de um menino mulato, neto de escravos. A história de um jovem inteligente e pobre que viu o pai enlouquecer e, para cuidar da família, teve que abandonar os seus estudos; a vida de um homem que escrevia denunciando os absurdos de uma sociedade injusta. Autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma, incompreendido, considerado louco e que morreu aos 41 anos. Está é a história de Lima Barreto, um dos grandes mestres da literatura brasileira”.

Lima Barreto
É com essas palavras (ao som da percussão de Enéas Costa), associadas a uma composição de imagens de época, gravuras, fotos do próprio Lima Barreto e uma cena do filme que levou ao cinema sua principal obra, que tem início o documentário de 28min, Lima Barreto: um grito brasileiro. Ele integra a série Mestres da Literatura, produzida pela equipe da TV Escola e coproduzida pelo Polo de Imagem e TV PUC, em 2008. A série, organizada em 11 episódios, cuja proposta é apresentar em cada episódio a vida e a obra de um grande escritor brasileiro, homenageia, entre outros, nomes como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e o grande Lima Barreto.

No documentário de que tratamos aqui, com roteiro e direção assinados por Mônica Simões, os fatos da vida e da obra de Lima Barreto, narrados por Afonso Carlos Marques dos Santos e por André Luiz dos Santos, são apresentados por meio de fotos, gravuras, leituras de trechos de crônicas e cenas do filme Policarpo Quaresma – herói do Brasil (1988). Os comentários ficam por conta de estudiosos como Afonso Carlos Marques dos Santos (UFRJ), Beatriz Resende (UFRJ), Nicolau Sevcenko (USP), Maria Tereza Campos (Editora e Consultora em Educação) e Antonio Arnoni Prado (Unicamp). Há ainda o depoimento do ator Paulo José, que interpretou Policarpo Quaresma na referida adaptação da obra feita para o cinema.

O vídeo destaca a relevância da obra de Lima Barreto para a literatura brasileira e enfatiza seu intenso sentimento nacionalista, a partir de sua dramática trajetória de vida e da apresentação e análise de sua obra, com ênfase para Triste Fim de Policarpo Quaresma.

Órfão de mãe aos seis anos, tendo vivido a infância e a adolescência no contexto histórico da abolição da escravatura e do regime militar dos primeiros anos da República, Lima Barreto foi alvo do racismo e do conservadorismo da época, durante o tempo em que estudou engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Lá, no entanto, despertou o interesse pela linguagem jornalística e escreveu suas primeiras crônicas sobre a cidade do Rio.

Forçado a abandonar a promissora carreira de engenheiro para cuidar de sua família quando seu pai enlouqueceu, tornou-se funcionário público, passando a residir no subúrbio carioca. Começou então a escrever para o Correio da Manhã, onde denunciava injustiças sociais e refletia sobre a sociedade brasileira de seu tempo. Nesse momento também escreveu seus primeiros romances: Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá e Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Este último, devido às críticas feitas sob a forma de sátira ao diretor do Jornal Correio da Manhã, rendeu-lhe problemas e ofuscou o que seria uma estreia de sucesso.

Mesmo assim, alcançou notoriedade por suas obras. No entanto, problemas com o alcoolismo o prejudicaram bastante. Foi internado por três vezes no hospício e essas internações o levaram à exclusão social. Tido equivocadamente como louco, morreu em 1922, aos 41 anos. Curiosamente, sua morte ocorreu no ano em que o Brasil estaria entrando na modernidade, inaugurada simbolicamente pela Semana de 22.

Em seu grande romance, Triste Fim de Policarpo Quaresma, através do doloroso processo de conscientização de seu personagem central, um ingênuo patriota, faz uma crítica à república. O romance está divido em três partes. Na primeira, Policarpo delineia um projeto cultural para o Brasil, mas é ridicularizado e não obtém sucesso. Na segunda, Quaresma dedica-se a um projeto agrícola para o país, mas também fracassa nesse empreendimento e se decepciona. Na terceira parte, engaja-se num projeto de reforma política em defesa da ordem, alia-se às tropas de Floriano Peixoto e participa da Revolta da Armada. No entanto, desiludido com as atrocidades que vê contra os prisioneiros, ao tentar denunciá-las acaba sendo preso e morto pela própria ordem que defendia. Para Sevcenko, “a mensagem que o livro transmite é de como essa república brasileira traiu as suas promessas”.

O documentário mostra que Lima Barreto é, realmente, um dos grandes metres da nossa literatura e que sua obra se mantém atual, tanto pela linguagem quanto pela temática que aborda: a crítica política, a questão do preconceito, racial e de gênero, da ecologia, da desfiguração da paisagem urbana. Para Maria Tereza Campos, “muitos problemas de Brasil que ele pensa naquela época, que ele critica e que ele, enfim, desenvolve como reflexão, permanecem absolutamente atuais”.

O vídeo cumpre seu objetivo e revela ao espectador que Lima Barreto era um autor que se posicionava criticamente diante das questões que se colocavam para o Brasil de sua época, atento às peculiaridades da vida urbana do Rio de Janeiro e às desigualdades daquela sociedade, e que, a despeito dos percalços que enfrentou em sua trajetória, produziu uma literatura valiosa que nos ajuda a pensar esse país.

Vale a pena assistir ao vídeo e vale a pena também ler a obra de Lima Barreto.

Ficam as palavras de Antonio Armoni Prado que, ao final do documentário, instiga-nos a ler a obra desse grande mestre de nossa literatura:

“Temos que ler Lima Barreto porque não somos um país livre, não somos um país integralmente livre. Temos que ler Lima Barreto porque somos um país socialmente injusto, somos um país onde os pobres continuam pobres e as elites continuam no lugar delas. Não é para aprender português que se lê Lima Barreto. Lê-se Lima Barreto para aprender a ser brasileiro”.


*Jorge Henrique Vieira Santos é mestre em Letras pela UFS, poeta e professor da rede pública estadual e municipal de Nossa Senhora da Glória, Sergipe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...