quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O cemitério do bairro ou o bairro do cemitério

Olá, amigos, em primeira mão, segue a belíssima crônica produzida no Colégio Estadual Manoel Messias Feitosa, em Nossa Senhora da Glória - SE, por ocasião das oficinas da Olimpíada de Língua Portuguesa "Escrevendo o Futuro", edição de 2014. Esta crônica, fruto do talento de Leonardo Breno e do trabalho competente de sua professora Carmem Almeida, foi selecionado pela comissão municipal e participou da etapa estadual da olimpíada. Vamos a ela:

O cemitério do bairro ou o bairro do cemitério

No intermédio daquela mureta, alva como a neve, o portão sucateado e as árvores mágicas contrastavam os seus tons vermelho sangue com a cor opaca daquela sepultura, sem vida, a não ser pela presença de insetos por ali.

Lembro, e muito bem lembrado, o espanto e a curiosidade do  povo que se sentia delegado por um dia quando por ali passou o sepultamento do temido pistoleiro que tinha traçado em suas mãos seu destino pós morte. Será que alcançou redenção? E o da beata daquela igrejinha que sonhava abraçar seu Mestre e nem imaginava que a eternidade seria apenas o começo.

O cemitério olhava em silêncio as pessoas que ali passavam. Às crianças ele gerava medo dos fantasmas que imaginavam haver naquele lugar, e a outros, uma oportunidade de trabalho. O coveiro caduco, que nem sente mais emoção ao enterrar mais um corpo sem vida; a lavadeira, que sustenta os seus com o término da vida, lavando e secando as sepulturas com panos imundos, e os espertos funcionários da casa paroquial, esses sim lucram com a desgraça alheia. E o dono da funerária? Que explora os sentimentos da família que perde um ente querido,aumentando o preço das urnas fúnebres. Pois é, a vida não perdoa, mesmo quando nem se tem mais vida!

Acidade cresceu em torno do cemitério que se perdia em meio às casas e ao sol ardente de meio dia, mas sempre lembrado pela mãe que perdeu o filho e pela jovem moça que ficou viúva no auge da juventude.

Mas quando chegava a primavera, a escuridão fugia para a luz prevalecer na frente do indescritível cemitério, no sorriso da garotada que manipulava com as fracas e finas mãos o fruto das árvores e molhava as pessoas que por lá passavam. Mesmo vindo uma xinga “da peste”,o sorriso infantil e inocente não saía da cara dos moleques, até que o velho guardador de corpos em decomposição chegava, acabando com a festa fora de época.

As folhas do raro jacarandá dançavam ao balançar dos ventos e ao ritmo das melodias fúnebres que consolavam as tristes lágrimas. Árvores que marcaram a minha vida, que marcam ainda o cemitério, que por sua vez, nomeou o bairro: Bairro do Cemitério! Ironicamente rebatizado como Nova Esperança. Que esperança é essa? Será que é de reviver? Ou, quem sabe, apenas poder abraçar o pai no dia dos pais, ou dar um beijo de gratidão na mãe que se foi sem despedidas para jamais voltar, e, ainda assim, na esperança de um reencontro... E a nova esperança se renova diariamente, todo dia, sem cessar.

Depredadas pelo tempo, as misteriosas árvores de origem europeia nunca pararam de florescer, as crianças cresceram, o coveiro morreu, muitos ali foram enterrados, o portão foi trocado, foi retirada toda a majestade do cemitério, que cresceu até não caber mais. Mas as árvores permaneceram dançando e chorando, parecendo plebeias com brilho no olhar de uma rainha. E, vigiando o movimento da vida na morte, continuam a sorrir, dançar, chorar e amar.

Leonardo Breno

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