Por Luciano Martins Costa em 12/12/2011 na edição nº 671
Comentário para o programa radiofônico do OI, 12/12/2011
O livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr, intitulado A privataria tucana,
publicado pela Geração Editorial na coleção “História Agora”, está
produzindo um estranho fenômeno na imprensa brasileira: provoca um dos
mais intensos debates nas redes sociais, mobilizando um número espantoso
de jornalistas, e não parece sensibilizar a chamada grande imprensa.
O autor promete, na capa, entregar os documentos sobre o que chama de
“o maior assalto ao patrimônio público brasileiro”. Anuncia ainda
relatar “a fantástica viagem das fortunas tucanas até o paraíso fiscal
das Ilhas Virgens Britânicas”. E promete revelar a história “de como o
PT sabotou o PT na campanha de Dilma Rousseff”.
Ex-repórter do Globo, originalmente dedicado ao tema dos
direitos humanos, Ribeiro Jr. ganhou notoriedade no ano passado ao ser
acusado de violar o sigilo da comunicação de personagens da política ao
investigar as fonte de um suposto esquema de espionagem que teria como
alvo o então governador mineiro Aécio Neves. Trabalhava, então, no
jornal Estado de Minas, que apoiava claramente as pretensões de Neves de vir a disputar a candidatura do PSDB à Presidência da República em 2010.
Os bastidores dessa história apontam para o ex-governador paulista José
Serra como suposto mandante da espionagem contra Aécio Neves, seu
adversário até o último momento na disputa interna para decidir quem
enfrentaria Dilma Rousseff nas urnas.
“Outro ninho”
Informações que transitaram pelas redes sociais no domingo (11/12) dão conta de que Serra tentou comprar todo o estoque de A privataria tucana
colocado à venda na Livraria Cultura, em São Paulo, e que teria
disparado telefonemas para as redações das principais empresas de
comunicação do país.
Intervindo em um grupo de conversações formado basicamente por
jornalistas, o editor Luiz Fernando Emediato, sócio da Geração
Editorial, afirmou que foram vendidos 15 mil exemplares em apenas um
dia, no lançamento ocorrido na sexta-feira (9). Outros 15 mil exemplares
estavam a caminho, impressos em plantão especial para serem entregues
às livrarias na segunda, dia 12, juntamente com o lançamento da versão
digital.
Aos seus amigos do PSDB, Emediato recomendou cautela e a leitura
cuidadosa da obra, afirmando que o trabalho de Amaury Ribeiro Jr. não é
“dossiê de aloprado, não é vingança, não é denúncia vazia, não é
sensacionalismo. É jornalismo”.
O editor indicou ainda aos leitores que procurassem informações no blog
do deputado Brizola Neto (PDT-RJ), no qual, segundo ele, estariam as
pistas de “outro ninho offshore na rua Bernardino de Campos, no
bairro do Paraíso, em São Paulo. A investigação agora chega na família
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Vamos ver onde isso vai
parar”, concluiu.
O Titanic da política
A julgar pelo volume e a densidade das denúncias, pode-se afirmar que,
sendo verdadeira a história contada por Amaury Ribeiro Jr, trata-se do
mais espetacular trabalho de investigação jornalística produzido no
Brasil nas últimas décadas. Foram doze anos de apuração e depurações. A
se confirmar a autenticidade dos documentos apresentados, pode-se
apostar nessa como a obra de uma vida. A hipótese de completa insanidade
do autor e do editor seria a única possibilidade de se tratar de uma
falsificação.
Confirmado seu conteúdo, o livro representa o epitáfio na carreira
política do ex-governador José Serra e um desafio para o futuro de seus
aliados até agora incondicionais na chamada grande imprensa.
O editor garante que são 334 páginas de teor explosivo, escancarando o
que teria sido a articulação de uma quadrilha altamente especializada em
torno do processo das privatizações levadas a efeito durante os dois
governos de Fernando Henrique Cardoso. Os documentos envolvem o
banqueiro Daniel Dantas, a família de José Serra e alguns personagens de
sua confiança.
Não apenas pelo que contém, mas também pelos movimentos iniciais que
lhe deram origem, o livro representa uma fratura sem remédio na cúpula
do PSDB e deve causar mudanças profundas no jogo político-partidário.
“Privataria”, a expressão tomada emprestada do termo que o colunista
Elio Gaspari costuma aplicar para os chamados malfeitos nas operações de
venda do patrimônio público, ganha agora um sentido muito mais claro – e
chocante.
Os sites dos principais jornais do país praticamente ignoraram o
assunto. Mas portais importantes como o Terra Magazine entrevistaram o
autor. O tema é capa da revista Carta Capital, e não há como os
jornais considerados de circulação nacional deixarem a história na
gaveta. Mesmo que seus editores demonstrem eventuais falhas na apuração
de Amaury Ribeiro Jr., o fenômeno da mobilização nas redes sociais exige
um posicionamento das principais redações.
Se a carreira de Serra parece ter se chocado contra o iceberg do
jornalismo investigativo, a imprensa precisa correr imediatamente para
um bote salva-vidas. Ou vai afundar junto com ele.
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