Na postagem Celebração da música sergipana manifestamos nossa satisfação pela realização do Festival Aperipê de Música e pela Banda Mutante in Sanidade, de Nossa Senhora da Glória, integrar as dez finalistas. Embora tenha havido manifestações semelhantes à nossa, veiculadas pela internet e pela mídia impressa, no que diz respeito ao sucesso desse evento e à sua contribuição para a cultura sergipana, parece que o festival não alcançou a unanimidade. Ainda bem, pois acredito que unanimidade, realmente, desperta desconfianças, como afirmava, a seu modo, Nelson Rodrigues.
No entanto, as divergências de opiniões, os antagonismos, elementos necessários numa sociedade democrática (em que a diversidade deve ser preservada acima de tudo), devem se dar num plano de respeito às individualidades. Esse respeito, seja por comedimento, por polidez ou por equilíbrio, é fundamental no mundo civilizado, em que os embates não ocorrem pela via da violência, mas pelo discurso, pelo confronto de ideias. Assim, as críticas, quando preservam o respeito ao outro, são fatores construtivos que, pelo jogo entre consenso e conflito, segundo Morin, fazem o conhecimento avançar. Nesse sentido, toda crítica é bem vinda.
Quando o respeito é quebrado, todavia, desfazem-se os elos de civilidade e reina a barbárie, o que representa retrocesso no convívio em sociedade. Críticas desprovidas de respeito contribuem para a desagregação dos vínculos que mantém a coesão social, fomentam a guerra, algo de que nosso mundo, necessariamente, não precisa.
É por esta razão, dentre outras mais óbvias, que nos somamos aos que foram alvo de críticas desreipeitosas e decidimos publicar, na íntegra, o direito de resposta dos finalistas do Festival Aperipê de Música citados no artigo veiculado no site do Jornal do Dia, em 26/10/10, sob o título Baggios e Café Pequeno vencem Festival, de autoria do Jornalista Rian Santos.
Jorge Henrique Vieira Santos
Crítica ao crítico
Nós, abaixo assinados, finalistas do Festival Aperipê de Música 2010, vimos, no exercício do sagrado direito de resposta, manifestar-nos sobre o teor da matéria publicada nesse conceituado órgão de imprensa, na edição de 26/10/2010, sob o título Baggios e Café Pequeno vencem Festival, de autoria do Jornalista Rian Santos.
É de causar estranheza que alguém que se autointitula crítico cultural/musical destile tamanho preconceito, desconhecimento e falta de discernimento no que diz respeito ao conceito de Festival de Música, à cultura sergipana e brasileira, além de desconsideração e desrespeito com os participantes, organizadores e julgadores do mencionado Festival.
Sem adentrar no subjetivismo inerente à escolha dos vencedores, mesmo porque entendemos que os finalistas disputam em pé de igualdade com o escopo de sagrarem-se campeões, colacionamos algumas pérolas vomitadas pelo articulista em sua empáfia de proprietário da verdade:
1 - “Depois de uma infinidade de equívocos, o Festival finalmente premiou dois dos conjuntos mais ativos e relevantes da cena sergipana, evitando o risco de coroar o trabalho realizado diariamente pela Fundação Aperipê com uma cagada monumental.”
A julgar pelo quanto afirmado em linguajar chulo que destoa de toda linha editorial desse Jornal, o Festival somente poderia premiar músicos já conhecidos da cena sergipana, levantando dúvidas sobre a lisura dos critérios de julgamento utilizados pelos examinadores; coisa que nem os não agraciados pela premiação ousaram sequer insinuar.
2 - “A composição da Comissão Julgadora que elegeu os primeiros selecionados não foi divulgada, mas cometeu a irresponsabilidade sem tamanho de permitir a participação de músicos francamente imaturos, cuja presença no palco erguido pela Fundap não pode ser justificada nem pela qualidade da composição defendida, nem pelo envolvimento com a militância cultural sergipana.”
Estamos aí diante de um completo desvirtuamento dos objetivos de qualquer Festival de Música que seria exatamente o de permitir que novos talentos pudessem despontar. Em assim não sendo, estar-se-ia estabelecendo uma injustificada reserva de mercado na qual os mesmos de sempre seriam julgados entre si; um jogo de cartas marcadas, um certame maculado pela previsibilidade de resultados.
No que diz respeito à qualidade da composição defendida é exatamente o cerne do que se pretende em um Festival que entendemos como sério. Pouco importa quais os figurões que disputem. A composição com melhor qualidade é a que deve ser escolhida.
A ideia em contrário é tão estapafúrdia e ignóbil que somente poderia ser defendida por uma mentalidade pueril ou maquiavélica, eivada de preconceitos, promovendo um patrulhamento ideológico que cristaliza situações postas em nosso mercado musical. É dizer que pouco importa o trabalho apresentado, deve ser referenciado aquele que faz parte do imaginário clube fechado de iniciados que frequentam as mesmas hostes.
Até mesmo o mais reverenciado dos compositores pátrios, o gênio inconteste de nome Chico Buarque, deu-se ao direito de admitir que os seus caminhos não estavam em consonância com aquilo que entendia temporal ao demonstrar todo o seu desencanto em seu aclamado disco de número 4, cuja maior referência seria a canção Agora falando sério. Talvez o pretenso crítico não saiba sobre o que estamos falando ou a seriedade do que isto representa.
3 - “Foi constrangedor ver uma banda como a Mutante In Sanidade, que ainda precisa transpirar um bocado de garagem antes de encarar o público de frente, impor sua presença ao lado da Nantes, que se dedicou durante um ano inteiro para dar corpo a um trabalho extremamente cuidadoso. A convivência foi injusta com as duas partes.”
Constrangedor é ver o nome de um finalista legitimamente habilitado para apresentar o seu trabalho ser enxovalhado de maneira antiética. Um desrespeito inclusive com a banda comparada, ao insinuar que o importante é o tempo de labor despendido, sem qualquer ressalva à inegável qualidade da composição que esta teria a expor.
Mutatis mutandi, seguindo esta linha de raciocínio e aplicando-o à imprensa, poderíamos facisticamente (permita-nos o neologismo) afirmar que o Jornal do Dia deveria exigir dos novéis jornalistas um extenso currículo comprobatório de atividades exercidas em outros noticiosos e, aos que se dispusessem a expor suas opiniões na árida seara da cultura, provas inequívocas de aperfeiçoamento específico nesta vastíssima área do conhecimento humano.
Este engessamento poderia evitar a utilização de expressões grotescas, a formulação de manifestações desprovidas de conteúdo como esta contra a qual nos rebelamos. Porém, de outro lado, tolheria o descobrimento de novos profissionais de imprensa; deixá-los-ia privados do divino direito humano ao erro. Enfim, o caos da paz dos mortos; pois somente estes e os idiotas não mudam de opinião, como bem afirma um conhecido brocardo.
4 - “Foi embaraçoso presenciar Cícero Guerra emulando uma tradição ultrapassada, perdida no tempo, como quem pedia licença para desabotoar a camisa do bancário e vestir a fantasia de artista. Simplesmente, não dá pra engolir!”
Embaraçoso é ver mais um concorrente ter o seu nome citado de forma pejorativa, única e exclusivamente por ter admitido no palco que exercia uma outra profissão que não a de músico.
Um dos maiores compositores da música nordestina, senão o primeiro entre os iguais, era um advogado. Chamava-se Humberto Teixeira. Compôs entre outras jóias aquela que é considerada por muitos um hino do nordeste: Asa Branca.
Antônio Vivaldi era padre.
Nosso Hino da Independência foi composto pelo então Imperador.
Recém-promovido, postumamente, o nosso poetinha Vinícius de Moraes era diplomata.
Para não fugirmos à profissão do injustamente citado informamos que Flávio José era funcionário do Banco do Brasil.
Diante da real possibilidade de que os exemplos citados extrapolem o limitado alcance do conhecimento do subscritor do malfadado artigo ora combatido, voltamos às plagas de Aperipê para informar que músicos do mais elevado conceito em nossa terrinha exercem profissões outras, sem que tal fato venha gerar descrédito em sua produção musical. Seguem, para ilustrar, o nome de apenas alguns, sem qualquer demérito àqueles não invocados: Joésia Ramos, médica; Sergival e Antonio Carlos do Aracaju, funcionários da Petrobras, Sena, Bombeiro Militar, Rubens Lisboa, servidor do TRE, Paulo Lobo, publicitário, Cláudio Miguel, advogado e Mingo Santana, empresário.
A nenhum deles foi exigido despir o seu hábito e trajar-se com qualquer espécie de fantasia. Mesmo porque ser artista em qualquer área da expressão humana não é encarnar um personagem, não é uma reles fantasia. Afirmar o contrário é ferir de morte a dignidade do artista que existe em cada um de nós e que pede para não ser represada por posicionamentos amesquinhados.
5 - "É imperdoável que um conjunto de emissoras que possui em seus quadros gente como o roqueiro inveterado Adelvan Kenobi, Nino Karvan, Adolfo Sá, Léo Levi, Alex Sant´anna e Diane Veloso, pra não mencionar o diretor da Aperipê FM Edézio Aragão, entre muitos outros, tenha cometido a leviandade de premiar pretensos músicos com os holofotes do festival ao mesmo tempo em que negou oportunidade tão valiosa a tantos profissionais talentosos".
Aos levianamente citados, as nossas homenagens, exatamente por entendermos que escolher diz respeito a critérios objetivos quanto à qualidade e subjetivos apenas no que diz respeito ao gosto peculiar de cada um.
A afirmação vale também para as duas comissões julgadoras, independentemente do resultado final e da tosca insinuação explicitada pelo articulista no item um desta peça. E olha que não fomos os escolhidos!
A nossa irresignação expressa em forma de resposta é exatamente porque não poderíamos calar diante de tanta ignomínia, sob pena de, uma vez incutida como verdadeiras as atrocidades invocadas pelo ora criticado, cristalizar a crença tantas vezes propalada de que os Festivais em nosso Estado são marcados por escolhas preliminares entre grupos de amigos que se autoafirmam como ativos e relevantes na cena sergipana. É dar crédito àqueles que desestimulam a nossa participação com a desconcertante frase de que todos os iniciantes estariam sempre participando na condição de meros coadjuvantes de uma bem engendrada farsa.
Acreditamos, ao contrário, que iniciativas como a da Fundação Aperipê não podem ser colocadas sob o manto da desconfiança justamente por permitir que novos ares sejam respirados, em que o critério do justo suplanta relações outras que nada dizem respeito à qualidade do quanto posto sob julgamento.
Se nada do que acreditamos for verdade estaremos fadados à conformação com a lenda de que nunca teremos sucessos reconhecidos fora de nossas fronteiras, confirmando, então, a propalada maldição do Cacique Serigy.
Atenciosamente,
Cícero Nunes Guerra – Pátria mãeSérgio Menezes Lucas – Mocambo dos PretosMutante In Sanidade – Eu quero ficar sozinho
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