quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Preservar é crescer

Olá, amigos, segue mais um artigo de opinião produzido no Colégio Estadual Manoel Messias Feitosa, em Nossa Senhora da Glória - SE, por ocasião das oficinas da Olimpíada de Língua Portuguesa "Escrevendo o Futuro", edição de 2014. Vamos a ele:

PONTO DE VISTA

Preservar é crescer

Moro em Nossa Senhora da Glória, interior de Sergipe, sertão. Vegetação predominante de caatinga, com pouco mais de 34 mil cidadãos. Apesar de ainda pequena, é uma cidade que chama a atenção pelo seu desenvolvimento. Destaca-se também por uma atração turística especial: sua feira livre. 

A feira de Glória é conhecida em toda a redondeza, até fora do estado, não somente por seu tamanho, sua formação e organização, mas pela sua diversidade de produtos e feirantes.

No entanto, nos últimos anos, essa feira vem perdendo notoriedade, o que é lastimável, pois além de importante economicamente, é um patrimônio cultural do município. Um dos motivos desse declínio está na rivalidade entre lojistas e feirantes, que disputam espaço e clientela. Os lojistas almejam que se concretize um projeto que julgo prejudicial à cidade: passar a haver duas feiras semanais, uma na quarta-feira e outra no sábado, como ocorre tradicionalmente. Dentre as razões apresentadas para o projeto, fica evidente a aproximação entre a administração municipal e os lojistas.

Com mais um dia de feira, os lojistas se beneficiam, pois o fluxo de pessoas por feira enfraquecerá, já que as pessoas virão em dias diferentes. O arrecadado por dia diminuirá e muitos feirantes, por necessidades econômicas e condições de trabalho, deixarão essa ocupação. Menos consumo, menos reputação, menos feirantes. Rapidamente, a feira de Glória deixará de existir. A única coisa que irá aumentar será as vendas nas lojas.

Não culpo as empresas de Glória de quererem se beneficiar com a mudança. Em um meio tão egoísta, como o comércio, isso é natural. O problema é que esse favorecimento é injusto, desonesto e prejudica a grande maioria: feirantes e turistas. Se algo é contrário à maioria, é, necessariamente, antidemocrático, logo, essa mudança ofende valores político-sociais.

Quem é a favor dela afirma que os lojistas têm uma parcela de importância bem maior na economia da cidade. Além disso, assim como os feirantes, também tiram do comércio seu sustento. Essa é uma visão superficial da questão. Tais argumentos até podem parecer válidos, no entanto, quem conhece como eu as entrelinhas da questão sabe que, na prática, não é bem assim que acontece.

Inicialmente, o lucro bruto gerado pelo comércio fica nas mãos de seus proprietários, que seguem normalmente seu estilo de vida burguês, sem nada de relevante acrescentar à cidade. Em segundo lugar, não discordo que os empresários dependem de suas empresas, no entanto, um ocasional menor lucro líquido não será motivo para que fechem suas lojas. Finalmente, mas não menos importante, os feirantes vendem seus produtos tradicionalmente apenas no sábado, enquanto os empresários têm todos os dias úteis para seus negócios.

Cabe ressaltar também que, lamentavelmente, uma feira do porte da de Glória provoca inevitáveis problemas, como um trânsito mais denso e o aumento do trabalho infantil. Existem formas de amenizar ou solucionar tais problemas e isso é dever da prefeitura, mas não cabe expor aqui. No entanto, se houver outra feira, dobrarão também os problemas gerados por elas.

Além do mais, atentemos para o lado humano da questão. As oportunidades nos centros urbanos são maiores que no rural, de onde a maioria dos feirantes vem. Como se não bastasse, esses que fazem a feira existir semanalmente uma vez têm um dia de labuta intenso, inadequado, de acordo com a lei. Trabalham a madrugada inteira e o dia seguinte, sob sol e chuva, em condições precárias de abrigo – barracas rudimentares feitas de plástico, que muito facilmente alteram sua temperatura sob influência do meio externo onde “curtem” a sexta-feira à noite, a espera do sábado. Sem esquecer o transporte que utilizam: carrocerias de caminhões. Todas essas dificuldades são enfrentadas com vigor, em busca do sustento de suas famílias, do mínimo para a sobrevivência.

Um exemplo é o de Dona Maria, 54 anos, 42 de feira. Mãe viúva de cinco filhos, sendo três menores de idade. A renda da casa vem totalmente das vendas na feira. Ao questioná-la sobre a mudança, disse-me: “sou contra a mudança. Meu trabalho já é muito cansativo uma vez por semana. Para manter o ganho, teria que vir os dois dias eu não suportaria, teria de procurar outra forma de sustento, e com essa idade seria muito difícil”.

Por fim, tanto o patrimônio cultural que representa quanto as vidas envolvidas nele seriam afetados negativamente com essa medida. Diante de tudo isso, como não ser contrário à mudança na feira de Glória? Não posso aceitar que algo assim seja feito sem manifestar o meu protesto.

Felipe Ferreira - 3º Ano E

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