“Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão”.O operário em Construção(Vinícius de Moraes, 1956)
No poema em epígrafe, o poeta Vinícius de Moraes descreve a trajetória de um operário – um pedreiro – que, a partir de sua própria condição existencial inicia um processo de tomada de consciência de seu lugar dentro do perverso modelo de produção econômica e social que o oprime. Esse pedreiro, à medida que vai construindo sua consciência política e emergindo da mais absoluta alienação, começa a desvelar os mecanismos opressores da sociedade capitalista e assume uma postura de resistência, por meio de palavras e ações. Diz “não” à opressão, não se curva às violências que lhe são infligidas por causa de sua atitude e decide incentivar os demais operários a se emanciparem.
Hoje
venho falar a vocês de um operário como esse, o pedreiro Evando Santos, que esteve em Nossa Senhora da Glória – SE entre
os dias 30 de maio e 02 de junho, e que, entre outras atividades, proferiu uma
palestra na câmara de vereadores para um pequeno público de grande entusiasmo.
Natural de Aquidabã – SE e radicado no Rio de Janeiro há 37 anos, Evando viveu imerso num mundo sem letras ao longo de sua infância e adolescência, só aprendeu a ler aos 18 anos. Desde então, apaixonou-se pela palavra escrita e, assim como empilhava tijolos no canteiro de obras onde cumpria a lida diária, passou também a empilhar em sua casa os volumes dos inúmeros livros que lia.
Empilhando
tijolos e erguendo casas, devorando letras e acumulando livros, Evando disse
“sim” ao conhecimento e se foi construindo um ávido leitor dos clássicos e um
aficionado bibliófilo. Com suor, cimento e letras, fez-se homem emancipado,
consciente, e, reconhecendo a transformação que os livros produziram em sua
vida, decidiu agir: transformou a própria casa numa biblioteca comunitária.
Resistindo a todas as circunstâncias que o pressionavam a resignar-se à condição
imposta pelo senso comum, o pedreiro decidiu construir leitores e se dedicou firmemente a essa ideia.
Resultados de sua ação?
Dentre
os inúmeros prêmios, medalhas e títulos que recebeu em todo o país, foi
presenteado por Oscar Niemeyer com o projeto arquitetônico da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de
Menezes, cuja construção foi financiada pelo BNDES com R$ 650.000,00. A
biblioteca tem atualmente um acervo de 52.000
títulos. O homem-livro, como
ficou conhecido internacionalmente, tornou-se tema de dois documentários -
premiados, respectivamente, no Festival
de Brasília e na 12ª Mostra
Internacional do Filme Etnográfico do Rio de Janeiro. Sua vida inspirou o
escritor italiano Remo Rapino a
escrever o livro “Um quintal de palavras”. Com sua determinação inabalável,
Evando ajudou a fundar 37 bibliotecas comunitárias pelo Brasil, chegando, também,
a enviar 4.000 livros para Angola.
Da
mesma forma que o operário do poema de Vinícius, este aqui, olhando para as
próprias mãos (que sempre ofertam livros), percebeu que não há no mundo coisa que
seja mais bela, pois também descobriu que em suas mãos está o poder de
transformar o mundo, de emancipar o homem, de tornar a vida melhor.
Foi
essa a semente que ele veio lançar em terras glorienses. Em sua profícua
conversa com alguns poetas da terra, relatou suas conquistas, realizações e
projetos. Descreveu, sobretudo, as ações de incentivo à leitura e de
valorização da cultura local, que vem promovendo à frente da Academia de Letras da Vila da Penha, da
qual foi fundador em 2005. Seu entusiasmo e determinação contagiaram a todos.
Dizia
Hannah Arendt que não são as ideias que provocam mudanças no mundo, mas as
ações. Assim, a semente está lançada, agora é o momento de agirmos, para que as
mudanças aconteçam. Um fruto já começou a germinar: a possibilidade de se criar
uma Academia Gloriense de Letras, que
também possa atuar construindo leitores e, consequentemente, novos escritores
na Capital do Sertão.
Jorge Henrique Vieira Santos
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