segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Quem viu o Mateus que balance, que dance, que encante













*Evellyn de Almeida Santos


“O reisado é uma coisa muito bonita de ver... E de dançar! A gente tem o maior prazer de brincar, a gente esquece o mundo, as amarguras da vida. Quando ouço o Mateus, figura do reisado, gritar, o meu coração explode... Sinto uma descarga e o corpo começa a balançar.

A cabeça também balança. Se é para contar, falar um pouco do meu lugar, deixe eu me sentar.”

Direta, franca, engraçada, com um jeito solto, especial, uma risadinha aqui, uma gargalhada acolá, que a brincante do reisado de São José da Caatinga, dona Marilene Moura, 68 anos, mergulha nas suas memórias.

“Antigamente tudo isso aqui era só caatinga, areia alvinha... Casas de palha e taipa. Poucas eram de tijolos. Não tinha energia, nem água encanada. A gente ia pegar água no poço, onde hoje é a Fonte da Juventude. Agora, não! Hoje é só abrir a torneira que a água cai como cachoeira.

As ruas eram de barro. Muito mato e muita areia. Mato misturado com areia, misturado com as casas. Mato, areia, casas eram um quadro só, um quadro com as cores da pobreza. Comer carne, arroz! Só dia de domingo, e olhe lá! A gente comia era candunda (espécie de peixe pequeno), barbudo (camarão pequeno) e os peixes que a mamãe pescava – era isso com farinha. As panelas eram de barro, frigideiras também. Eu lavava os pratos numa agdá – tipo de bacia de barro – com água que pegava do poço.

Sabonete, xampu, creme dental, essas coisas eram caras na época. Lá em casa não tinha, o banho era com água e sabão de lavar roupa. No cabelo se passava vaselina, brilhantina. Sabe o que é isso? É um tipo de pasta, uma banha, como se fosse cera de polir carro. Ela deixava os cabelos umedecidos, como um tapete bom de alisar.

Coisa era pra dormir. Dormiam duas ou três pessoas na mesma cama. E eram bem rústicas, eram de cordas trançadas, chamávamos de cama de vento, de vara, com esteira por cima, que servia de colchão. Dormia com meu irmão numa cama só. Nossas roupas eram de chita (um tipo de tecido), usávamos também umas anáguas, o calçado era tamanco, feito de madeira com tira de napa. Agora nossa vida é outra. Tudo mudou, e a chita, só quando vamos brincar reisado.

O Natal era festejado nas ruas, tinha leilões, rodas-gigantes, carrossel, barcos. Tinha feirinhas e as frutas da caatinga: ‘cambucá’, ‘quaresma’, ‘canela de véio’. Havia também os doces mágicos de dona Zilina: amendoim torrado, dentro de barquinhos, casinhas confeitadas de crepom e laminado.

E após a missa lá vinha o mestre Juarez com seu reisado... O Mateus era o mestre e o mestre se foi. E é a gente que balança esse estandarte verde e escarlate.”

*Texto de Memórias com o qual a aluna Evellyn de Almeida Santos, da Escola Municipal Vereador João Prado - São José da Caatinga - Japaratuba-SE, recebeu medalha da prata na Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o Futuro” – 2008.

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